terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tales de Mileto: Tudo começa na água

Ana Maria de Carvalhoj

Os filósofos pré-socráticos são chamados de naturalistas, pois tinham como objetivo o problema cosmológico: o nascimento da filosofia ocidental se preocupava fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na natureza, da qual os seres humanos fazem parte e, por isso, seus representantes buscavam o princípio das coisas. A característica que levou esses homens de pensadores à primeiros filósofos foi a abstração da natureza e a procura de um principio único e elementar que a explicasse, sem o apelo aos mitos. A esse principio, eles chamaram Arché[1]. A physis[2] é a unidade fundamental, realidade em movimento, é aquilo que mantém tudo vivo. E o cosmos é o mundo ordenado, compreende tudo o que existe. Concluindo que arché, physis e cosmos são indissociáveis.

Do período cosmológico não existem obras literárias escritas, apenas pequenos fragmentos dos filósofos. O primeiro filósofo pré-socrático foi Tales (624 a.C. – 547 a.C.) da colônia grega de Mileto. Apesar da palavra arché ter sido utilizada primeiramente por Anaximandro, discípulo de Tales, foi este quem primeiro observou uma unidade no mundo; que a natureza é úmida, que o quente necessita de água, que o morto seca, que os germes são úmidos, que os alimentos contêm seiva e, a partir daí, concluiu que o arché, o princípio de tudo era a água, já que a semente de todas as coisas têm natureza úmida. Atribui-se a ele a afirmação de que “todas as coisas estão cheias de deuses”, o que talvez, pode ser associado à ideia de que o imã tem vida, porque move o ferro. Essa afirmação não representa um retorno a concepções míticas, mas a ideia de que a alma está misturada com o universo, que é matéria viva, é animado (Hilozoísmo).

Assim, pela primeira vez na história do pensamento ocidental, o homem buscava uma explicação totalmente racional para o seu mundo, deixando de lado a interferência dos deuses. A partir de sua iniciativa, diversos filósofos pré-socráticos buscaram seus próprios caminhos para explicar a physis. Tales, acompanhado por Anaximandro e Anaxímenes, formaram o trio da chamada Escola Jônica e ficaram conhecidos como os physiólogos (estudiosos da physis). Era o início da filosofia e do esforço humano em compreender o espetáculo da existência a partir da racionalidade.



j Aluna do primeiro período do curso de Licenciatura em Filosofia/UERN.

[1] Causa original, realidade da qual procedem as outras no universo. Essa palavra pode ter dois sentidos: cosmológico (o principio é então um corpo material (pré-socráticos)); metafísico (o principio é então uma realidade impessoal, que pode assumir o nome da Mônada (Pitágoras), de Uno (Parmênides, Plotino), e Essência (Platão)).

[2] “O substantivo phýsis deriva do verbo phýo (juw) que quer dizer faço crescer, faço nascer, e, na forma média, phýomai (juomai): eu broto, eu cresço, eu nasço.”... a natureza em seu primeiro sentido primeiro e principal é substancia dos seres que têm em si o princípio de seu próprio movimento.

A Caverna do Filósofo


William C. Oliveira
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A partir da alegoria da caverna (Rep. VII 514a-518b), Platão (1990) nos faz ver o filósofo como aquele personagem que se liberta dos grilhões no interior da escuridão e ascende ao mundo superior e iluminado. Pois, não basta alcançar o nível superior. É preciso sair do mundo das sombras. Assim deve agir o filósofo.

Depois de muito esforço o personagem alcança a fonte de luz que guiou seu caminho de saída da caverna. Após superar o choque de visão entre a luz do Sol e as sombras na caverna ele se maravilha com o que pode ver da realidade. Agora, como desfrutar sozinho desse prazer do conhecimento, de descoberta do novo? Eis o filósofo em seu dilema, pois, apesar da ascensão individual, ele não vivia só, mas em grupo. Então, o seu prazer precisa ser compartilhado.

Pois bem! Para compartilhá-lo ele só precisa dividir com os demais aquele conhecimento. Mas aos companheiros a novidade pode confundir-se com loucura. Então, o prazer se desvanecerá. De que adianta, portanto, ser sábio sem utilizar o saber na comunidade? Se o personagem tivesse encontrado lá fora alguém para conversar sobre aquelas maravilhas e novas descobertas, ele retornaria? Mas o filósofo de Platão tem um papel pedagógico: ele deve retornar à comunidade para multiplicar o seu prazer, ensinando os outros a também desfrutá-lo. Eis o filósofo-educador.

Assim Platão nos ensina que é, pois, pela Educação que a Filosofia se realiza, na prática. Ou seja, desce do Mundo das Ideias e se torna real. Do contrário, que valor tem o saber filosófico se ele não se humanizar, isto é, não se voltar para o aperfeiçoamento humano? Em que ele diferirá do saber religioso, se permanecer voltado para outro mundo? E como o filósofo pode cumprir essa função, ficando preso ao prazer subjetivo do regozijo individual no Mundo das Ideias? Não estaria ele enclausurando-se novamente numa outra caverna?! Em que, portanto, o prazer filosófico diferiria do prazer religioso não fosse pela objetivação, pela capacidade de compartilhá-lo, universalizando o seu acesso?

Geralmente na Universidade tendemos a acreditar que saímos do Mundo das Sombras do senso comum, da obscuridade dos mitos ou do velamento das religiões. No entanto, se a luz alcançada não nos livrar dos preconceitos, decorre que ela jamais se universalizará, não sendo, pois, a luz da Razão. Se pela Filosofia não nos dispusermos a retornar à comunidade visando à multiplicação do prazer do conhecimento, certamente não estaremos cumprindo a sua função teórico-prática, indicada na obra e na vida dos filósofos[1], e que corresponde à completude da totalidade exigida pela razão.

Em suma, se a universalidade da Filosofia, na sua totalidade do saber, não se presta ou não se digna a pensar e atuar na realidade do contexto em que vivemos, no nosso país, a partir da particularidade da nossa região, o que estamos fazendo da Filosofia? O que fundamentaria as justificativas do seu retorno ao currículo escolar?

E agora que a Filosofia foi reinstituída no Ensino Básico, do que mais precisa o nosso país atualmente para o aperfeiçoamento humano, senão de fomentá-la na formação de gerações futuras? Para tanto, do que mais carece a nossa cidade, quanto de filósofos-educadores, sem os quais não há libertação da caverna da ignorância? Eis, a meu ver, o papel político pedagógico da Filosofia na UERN: formar filósofos-educadores, para retornarem à caverna e libertarem das sombras a sociedade em que vivemos.

Afinal, de que adianta descer de pára-quedas à porta da caverna e ficar reclamando da escuridão, sem coragem, no entanto, para adentrá-la e libertar os prisioneiros nem para lançar luz às sombras, tampouco sem disposição para treinar os que de lá ascendem com capacidade para tanto?

Certamente, uma vez cumprida essa tarefa, em breve a Filosofia será requisitada para atuar em novos problemas, para cujas exigências estarão treinadas as novas gerações, a enfrentá-los no mundo das ideias.




j Prof. Mestre em Filosofia-DFI/UERN

[1] Por três vezes Platão foi a Siracusa visando implantar seus ideais políticos, nos governos de Dionísio I e II, chegando a ser preso e vendido como escravo. Testemunham também como filósofos-educadores a vida de Aristóteles, que instruiu o filho do rei Felipe da Macedônia, tornando-o o Grande Alexandre; além de Sêneca, com Nero; Maquiavel, com Lourenço de Médici II, e Arthur Giannotti, com FHC [wiki]. Parafraseando Karl Marx [XI tese], diríamos que até agora os filósofos, excetuando Sartre, tentaram educar os governantes, resta, portanto, educarmos as pessoas.


Fontes Citadas

Marx, K. (1999). A Ideologia alemã (Feuerbach) (11 ed.). (J. C. Nogueira, Trad.) São Paulo: Hucitec.

Platão. (1990). A República (6 ed.). (M. H. Pereira, Trad.) Lisboa: Calouste Gulbenkian.

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