terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Caverna do Filósofo


William C. Oliveira
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A partir da alegoria da caverna (Rep. VII 514a-518b), Platão (1990) nos faz ver o filósofo como aquele personagem que se liberta dos grilhões no interior da escuridão e ascende ao mundo superior e iluminado. Pois, não basta alcançar o nível superior. É preciso sair do mundo das sombras. Assim deve agir o filósofo.

Depois de muito esforço o personagem alcança a fonte de luz que guiou seu caminho de saída da caverna. Após superar o choque de visão entre a luz do Sol e as sombras na caverna ele se maravilha com o que pode ver da realidade. Agora, como desfrutar sozinho desse prazer do conhecimento, de descoberta do novo? Eis o filósofo em seu dilema, pois, apesar da ascensão individual, ele não vivia só, mas em grupo. Então, o seu prazer precisa ser compartilhado.

Pois bem! Para compartilhá-lo ele só precisa dividir com os demais aquele conhecimento. Mas aos companheiros a novidade pode confundir-se com loucura. Então, o prazer se desvanecerá. De que adianta, portanto, ser sábio sem utilizar o saber na comunidade? Se o personagem tivesse encontrado lá fora alguém para conversar sobre aquelas maravilhas e novas descobertas, ele retornaria? Mas o filósofo de Platão tem um papel pedagógico: ele deve retornar à comunidade para multiplicar o seu prazer, ensinando os outros a também desfrutá-lo. Eis o filósofo-educador.

Assim Platão nos ensina que é, pois, pela Educação que a Filosofia se realiza, na prática. Ou seja, desce do Mundo das Ideias e se torna real. Do contrário, que valor tem o saber filosófico se ele não se humanizar, isto é, não se voltar para o aperfeiçoamento humano? Em que ele diferirá do saber religioso, se permanecer voltado para outro mundo? E como o filósofo pode cumprir essa função, ficando preso ao prazer subjetivo do regozijo individual no Mundo das Ideias? Não estaria ele enclausurando-se novamente numa outra caverna?! Em que, portanto, o prazer filosófico diferiria do prazer religioso não fosse pela objetivação, pela capacidade de compartilhá-lo, universalizando o seu acesso?

Geralmente na Universidade tendemos a acreditar que saímos do Mundo das Sombras do senso comum, da obscuridade dos mitos ou do velamento das religiões. No entanto, se a luz alcançada não nos livrar dos preconceitos, decorre que ela jamais se universalizará, não sendo, pois, a luz da Razão. Se pela Filosofia não nos dispusermos a retornar à comunidade visando à multiplicação do prazer do conhecimento, certamente não estaremos cumprindo a sua função teórico-prática, indicada na obra e na vida dos filósofos[1], e que corresponde à completude da totalidade exigida pela razão.

Em suma, se a universalidade da Filosofia, na sua totalidade do saber, não se presta ou não se digna a pensar e atuar na realidade do contexto em que vivemos, no nosso país, a partir da particularidade da nossa região, o que estamos fazendo da Filosofia? O que fundamentaria as justificativas do seu retorno ao currículo escolar?

E agora que a Filosofia foi reinstituída no Ensino Básico, do que mais precisa o nosso país atualmente para o aperfeiçoamento humano, senão de fomentá-la na formação de gerações futuras? Para tanto, do que mais carece a nossa cidade, quanto de filósofos-educadores, sem os quais não há libertação da caverna da ignorância? Eis, a meu ver, o papel político pedagógico da Filosofia na UERN: formar filósofos-educadores, para retornarem à caverna e libertarem das sombras a sociedade em que vivemos.

Afinal, de que adianta descer de pára-quedas à porta da caverna e ficar reclamando da escuridão, sem coragem, no entanto, para adentrá-la e libertar os prisioneiros nem para lançar luz às sombras, tampouco sem disposição para treinar os que de lá ascendem com capacidade para tanto?

Certamente, uma vez cumprida essa tarefa, em breve a Filosofia será requisitada para atuar em novos problemas, para cujas exigências estarão treinadas as novas gerações, a enfrentá-los no mundo das ideias.




j Prof. Mestre em Filosofia-DFI/UERN

[1] Por três vezes Platão foi a Siracusa visando implantar seus ideais políticos, nos governos de Dionísio I e II, chegando a ser preso e vendido como escravo. Testemunham também como filósofos-educadores a vida de Aristóteles, que instruiu o filho do rei Felipe da Macedônia, tornando-o o Grande Alexandre; além de Sêneca, com Nero; Maquiavel, com Lourenço de Médici II, e Arthur Giannotti, com FHC [wiki]. Parafraseando Karl Marx [XI tese], diríamos que até agora os filósofos, excetuando Sartre, tentaram educar os governantes, resta, portanto, educarmos as pessoas.


Fontes Citadas

Marx, K. (1999). A Ideologia alemã (Feuerbach) (11 ed.). (J. C. Nogueira, Trad.) São Paulo: Hucitec.

Platão. (1990). A República (6 ed.). (M. H. Pereira, Trad.) Lisboa: Calouste Gulbenkian.

http://pt.wikipedia.org/

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